APOIO À ANPUH POR PARTE DO DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS (UNICAMP)

O Departamento de História da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), em nome de seu corpo discente e docente, saúda esta iniciativa da ANPUH-SP e participa deste ato público para repudiar veementemente os ataques do governo de Tarcísio de Freitas contra o ensino de História na educação básica do estado de São Paulo.

A redução da carga horária de História nos currículos escolares por si só bastaria para justificar a importância deste evento, mas, bem o sabemos, não se trata de uma medida isolada. Sem consulta à comunidade escolar e às instituições que a representam, ela se faz acompanhar de um conjunto de decisões urdidas nos bastidores do poder, cujo objetivo é aprofundar diferenças; diferenças entre escolas públicas e particulares, ensino diurno e noturno, aulas presenciais e remotas, professores efetivos e temporários. O exame atento da Resolução SEDUC - 85 mostra como o alargamento dessas diferenças está por trás da compressão drástica das aulas de História. Diagnósticos criteriosos apontam para os efeitos nefastos da política educacional do governo do estado: aniquilação da autonomia docente por meio da utilização indiscriminada de plataformas digitais comprometidas com o lucro fácil e a produção do conhecimento acrítico; alocação de professores em componentes curriculares estranhos à sua formação; trabalho exaustivo em diferentes jornadas e unidades escolares separadas por longas distâncias; deterioração da prática docente, agravada pela falta de contratação de profissionais concursados, ampliando o número de docentes em regime de trabalho precário.

Essa política leva à perda da segurança ocupacional, à brevidade dos vínculos de emprego, à falta de enraizamento e identidade institucional com as escolas, à ausência de relações pessoais e profissionais duradouras e de redes de apoio e solidariedade. Em absoluta sintonia com a “reforma trabalhista” iniciada no governo Temer, o governo estadual aprofunda o tempo da incerteza e do risco permanentes, em que o provisório e o efêmero se tornam a norma nas relações de trabalho.

O achatamento da carga horária de História nas escolas está em perfeito compasso com o achatamento do tempo, em que o presente, sempre instável, e o futuro imediato são os únicos horizontes de expectativas, enquanto a história vai sendo banida da República. Para quê História quando direitos e escolas se equivalem a commodities? Não é por outra razão que as ditas reformas educacionais, que seguem abraçadas com a reforma trabalhista, estimulam a competitividade e o ranqueamento escolar regidos por avaliações e “competências” definidas por critérios de mercado. Ocioso dizer que são os estudantes os mais afetados pela mercantilização do ensino.

Todas as resoluções do governador do estado no campo da educação caminham na contramão dos projetos pedagógicos que regem os cursos de História das universidades paulistas. Nosso curso na UNICAMP, por exemplo, construiu pontes sólidas com a educação básica por meio de diversos programas e práticas, como as Olimpíadas de História, a nossa maior interface com o sistema escolar brasileiro e um dos mais importantes programas de extensão da UNICAMP; o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência, dedicado à prática docente nas escolas; o Programa de Formação Interdisciplinar Superior, curso sequencial que franqueia o acesso de estudantes de Ensino Médio à Universidade, sem passar pelo Vestibular; o Profhistória, mestrado profissional em ensino de História, que visa a formação continuada de professores da educação básica. Abrimos muitas outras frentes no âmbito do ensino de História, mas acrescento que a universidade aprovou recentemente a abertura do curso de História no período noturno e estamos finalizando o projeto de sua implantação, alargando, assim, o acesso de estudantes oriundos da classe trabalhadora ao ensino superior.

A breve enumeração de algumas de nossas iniciativas não tem o intuito da autopromoção, mas cumpre o dever da universidade de prestar contas à sociedade, às cidadãs e aos cidadãos, que são o esteio e o destinatário de todas as nossas ações.

No entanto, o governo de Tarcísio de Freitas preferiu seguir em outra direção, para a qual convergem a militarização das escolas, a dessecularização da educação, o ressentimento em relação à democratização do acesso ao sistema de ensino e o ódio ao conhecimento e à História. Prova disso são os ataques racistas e homofóbicos contra o Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP que, por meio da agressão e da intimidação, colocam em risco a segurança da comunidade acadêmica e a livre produção e divulgação do conhecimento. Prova disso é a perseguição nas escolas, como a que vem sofrendo o professor e historiador César Augusto Cruz, que teve sua dignidade pessoal e profissional violentamente atacada no exercício legítimo de sua atividade docente.

Eventos como este em defesa da História, da Democracia e da Soberania Nacional nos enchem de ânimo e da certeza de que a luta continua e que, além do direito à memória, temos o dever da História. Se, como disse George Orwell, “quem controla o passado controla o futuro”, esse controle nos é estranho e contra ele seguiremos firmes em nossos combates pela História.

Fernando Teixeira da Silva
Chefe do Depto. de História da UNICAMP